O futuro e métodos divinatórios
J. Tagus
(abril de 2024)
O destino não é linear e caminhos não estão implacavelmente traçados. Nenhuma crença pode coexistir harmonicamente com o fatalismo, diante da contradição evidente; se tudo já está decidido, então não há livre-arbítrio e muito menos mérito nas ações. Marx diz no "Dezoito Brumário" que os homens não fazem sua história livremente, afinal estamos presos e limitados pelas condições legadas do passado. É idealismo — no sentido da crítica marxiana — conceber um agir "por alto", que não leve em conta a conjuntura concreta, material. Contudo, ainda que condicionados pelas limitações ao redor, os homens, ora, agem; fazemos história. De nosso jeito, conforme possível. Mas fazemos.
Nesse sentido, se o futuro está se fazendo, está por se fazer, não é possível "prevê-lo". "Difficult to see. Always in motion is the future", diz o Mestre Yoda. Sempre em movimento. Para Arjuna a estrada não está traçada, diz Roger Garaudy sobre o "Bhagavad Gita". Krishna não lhe obriga, e sim explana e busca convencimento. O heroi faz sua escolha. Caminhos estão abertos; cada um deles é bifurcado e cada bifurcação gera outras e outras. Vamos fazendo escolhas conforme nosso entendimento — ou conforme as condições possíveis, como falado acima — e evidentemente recebemos o fruto, bom ou ruim, disso.
Quero inserir agora o tema deste texto. A pergunta que coloco é: onde o método divinatório se encaixa aqui, se não há, justamente, nada a adivinhar? Se não se prevê o futuro, se o mesmo está em construção e portanto não se pode "ver" o que "acontecerá" lá na frente.
Penso que é preciso compreender adequadamente a função do método divinatório (qualquer que seja: runas, cartas, espelho negro etc.). São ferramentas de autoconhecimento e de compreensão do momento. E é nisto que está a magia: maturando reflexões sobre o que somos e onde estamos, somos capazes de ter uma noção mais clara do que o futuro será. Há uma frase que diz que para conhecer o futuro é preciso olhar o passado. As lições e acontecimentos pretéritos são pistas do que pode estar por vir. Em uma analogia mais mundana, eu sei que se me alimentar à base de porcarias terei problemas de saúde no futuro; afirmar isso — "você terá problemas de saúde no futuro" — nada teria de "adivinhação". É, antes, um insight, um relance de um futuro possível. Que pode não acontecer caso eu tome jeito e passe a me alimentar de forma mais saudável.
Tomar jeito!
Corrigir-se, aperfeiçoar-se. A senda mágicka deve ser compreendida assim. O adepto medita sobre o que é e onde está. E projeta aonde quer chegar. O método divinatório será uma ferramenta para isso. Compreender o momento e as opções, e aonde elas levarão. Indicativos, probabilidades. Possibilidades. Não "prever" um futuro que não aconteceu, e que talvez nunca acontecerá, mas dar ferramentas ao magista para que possa tomar as melhores escolhas. Pode quebrar a cara lá na frente, evidentemente; mas o passo deve ser dado.
Muitos oraculistas profissionais não gostarão disso. Precisam vender resultado. Se eu coloco em termos de insights para aperfeiçoamento pessoal, estarão perdendo a clientela que quer "saber" o que "acontecerá". Uma vez fiz uma tiragem a pedido de uma amiga. Apresentado o estudo, ela choramingou: "continuo com dúvidas!". Queria uma resposta objetiva, "será assim", "será assado". Isso eu não posso fornecer. Não acredito que o método divinatório sirva para isso. Dotados de livre-arbítrio, como somos, compete a nós a tomada de escolhas e decisões. O oráculo não fará isso por nós.
Entender o método divinatório dessa forma não significa dizer que forças cósmicas, deuses e entidades, não estejam presentes. A cada segundo de nossas vidas somos influenciados por inteligências invisíveis, como já diz o próprio "Livro dos Espíritos" kardequiano. No momento da leitura divinatória não seria diferente. Como tal — e como em qualquer outra atividade que reputamos importante — é de bom tom fazer o banimento inicial (e final) e evocar o auxílio das entidades, deuses e guias, ou ainda os servidores (no sentido caoísta), que melhor possam em seu entendimento lhe auxiliar no mister divinatório. Mas, novamente: não responderão por você, não dirão o que "acontecerá". Receba o influxo. Receba a inspiração. E tome as escolhas conforme entender.
Se o futuro está em aberto, o hábito de pescar a "carta do dia" deve ser melhor compreendido. Ela não significará o que "acontecerá"; e sim dará um tema, um assunto, conforme o arcano sorteado, sobre o qual o magista deve meditar. É possível, e geralmente é assim, que aquele tema seja recorrente ao longo do dia, ou ao menos tangencialmente. Mas, de novo: não uma "previsão" fatalista, mas sim elementos de reflexão e aperfeiçoamento pessoal. As cartas são plurívocas; pense nas possibilidades implicadas no arcano e no que isso pode te ajudar, no sentido de crescimento e de uma vida com melhor qualidade. Quando comecei a enxergar dessa forma, passei a pescar a "carta do dia" antes de dormir. É um olhar em retrospectiva: exatamente que experiências eu tive ao longo do dia que se encerra? As coisas que vi, imaginei, fiz, disse. Precisamente, qual arcano vibrei? Em toda sua dialética e, novamente, plurivocidade. É melhor proceder dessa forma do que "começar" o dia com a carta. Tendemos a ficar sugestionados. Vem um espadas e, ai de nós! Culpa do Waite que popularizou a fama tétrica do naipe. Passaremos o dia com medo da própria sombra. Ou, ao contrário, tiramos "O Mundo" e passamos o dia esperando a sorte grande chegar a qualquer momento. Caso não chegue, ficaremos frustrados e decepcionados com nossos dons divinatórios. Mas é exatamente isto: nada "chega", bom ou mau, fatalmente programado. Ao invés de "prever" o futuro, portanto, devemos entender a arte divinatória como ferramenta de progresso pessoal.