Os três tipos de crescimento
J. Tagus
(dezembro de 2023)
A vida como jornada; a "Grande Obra" está por se fazer diariamente. O objetivo do mago — isto é, aquele artista que conscientemente quer impor seu intento ao universo — é buscar seu constante aprimoramento. Em termos junguianos isso implica em integrar o Self, nos tornar o que somos. Sabemos que o "eu", aquilo que se expressa de forma consciente, é pequena parcela nossa. Temos conosco muito mais do que isso e inclusive aspectos pouco lisonjeiros! É a "sombra", aquela parte que não gostamos de enxergar em nós e que preferimos projetar nos outros.
Trata-se exatamente disso.
Não é possível se reivindicar mago e ao mesmo tempo ser repleto de traumas e complexos. Como impor sua vontade ao universo se sequer se consegue dominar a si mesmo?
É evidente que a maturidade emocional "completa" não existe — ao menos não para nós nesta existência grosseira — e Freud, como lembra o citado Jung, dizia que todos somos em certa medida neuróticos. Não há vergonha nem problema nenhum nisso, é tudo "humano, demasiado humano" (aqui já parafraseando Nietzsche). Contudo, alguém que vivencia magia seriamente deve se dedicar a essa constante luta pelo aperfeiçoamento pessoal. É a Jihad al-Akbar dos muçulmanos, a Grande Jihad, o empenho diário contra Al Nafs, o Ego, nossas imperfeições e defeitos, e que nada tem a ver com matar infieis (!) como o conceito de "jihad" tem sido reduzido na mídia ocidental.
Podemos dizer à luz de tudo isso que a arte mágicka possui três faces. O esquema pode ser visualizado à moda um triângulo:
Vou explicar o que quero dizer com isso. De início, vale dizer que a posição dos lados é indiferente; todos os três "crescimentos" têm o mesmo valor. Pode-se dizer que nosso triângulo é equilátero, portanto, os três lados possuindo a mesma medida.
Crescimento emocional. Isso significa nos reconhecermos como seres conscientes, racionais, dotados de autocontrole e resiliência. Não se trata de se tornar "quadrado" ou um pernóstico racionalista. O apelo aqui é pelo equilíbrio. Ainda que a fantasia esteja por toda parte e manuseá-la integre a vivência mágicka, "viver" na fantasia é esquizofrenia, é estar apartado da vida e se debater em sonhos. Nesse sentido Peter Carroll fala no "censor psíquico" (psychic censor), que impede, para o bem de nossa sanidade, que sejamos sobrecarregados pelas sensações que nos bombardeiam incessantemente. Ao contrário, precisamos estar lúcidos e atentos e saber discernir o real do ilusório. Ainda que adotemos um relativismo solipsista da realidade, isso não muda o fato de que há um contexto direto, imediato, com o qual devemos lidar. Ainda que você conteste a lei da gravidade, caso caia do alto de um prédio se esborrachará lá embaixo. Há regras; o universo é caótico mas há ordem no caos, caso contrário a própria existência seria impossível. A maturidade emocional, então, está em compreender essas regras e aceitá-las, distinguindo o que é real (novamente, com as relativizações possíveis) daquilo que é mera limitação pessoal e social. Ser mago implica em ser rebelde, sobretudo contra um sistema, o capitalista, marcado pela exploração e iniquidade. Mas a rebeldia sem causa, a rebeldia pela rebeldia, é tolice e infantilidade.
Devemos incluir neste quesito o crescimento intelectual. Ainda que no Eclesiases (1:18) seja dito que muito conhecimento implica em muita dor, podemos afirmar que todas as tradições têm o enriquecimento intelectual em alta conta — a sunna islâmica por exemplo diz que buscar o conhecimento é dever de todo muçulmano. Mesmo que inúmeros magistas, como os curandeiros e bruxos das nossas práticas populares brasileiras, tenham tido pouca escolaridade formal e nada obstante suas capacidades e sabedoria sejam indiscutíveis, podemos afirmar que realizariam ainda muito mais caso tivessem acesso a graus superiores — no sentido acadêmico — de instrução.
Estudar, portanto, está incluído em crescer.
Crescimento mágicko. Crescer enquanto indivíduos implica no crescimento de nossas capacidades, potencialidades e impulsos. Não significa que nos tornamos super homens; reconhecer a própria fraqueza e limitação é um traço de grandeza e maturidade. Mas passamos a nos enxergar com olhos renovados, despidos das crenças limitantes que têm pautado nossas vidas até então. Você sentirá o fogo mágicko queimando em si. Ao espelho, perceberá como os olhos chispam cheios de energia criadora. Toda autocomiseração legada da tradição abraâmica, que nos sujeita à vontade geniosa de um deus tribal, é deixada para trás. Ninguém adentra imune o caminho mágicko da mão esquerda. Diga: "Eu seja louvado!". Você é concreto, presente, palpável. Você sabe o que tem passado para chegar até aqui. Ainda que esteja longe do que desejou para si em seus melhores sonhos, é o que você tem e é. Li sobre um escritor cubano, Cuba, a heroica Ilha Operária que há décadas resiste ao embargo estadunidense: nosso vinho é amargo, disse o tal escritor, mas é nosso vinho. A dor e prazer de ser o que somos, aqui já outro poeta, brasileiro, Caetano Veloso.
Você não sente essa riqueza em ti? É possível, diante de tudo que você caminhou, não reconhecer tua própria divindade? Passe a se olhar com melhores olhos. És feiticeiro. Tens poder.
Crescimento espiritual. O que é religião senão o religar de nossas potencialidades com outras, transcendentes em relação a esta matéria? Ou reler, conforme outra etimologia, uma outra leitura, uma releitura de uma realidade que é apenas aparente? O contrário disso é a alienação. Alienação é a separação da realidade, é estar deslocado, é não se identificar com a vida que vive e com o que faz. Marx estudou bem isso. Nós que queremos um crescimento pluridimensional devemos vencer isso e nos situarmos no mundo. Encarar Deus ou deuses faz parte disso. O que quer que você entenda por divindades, uma existência digna desse nome implica em comunhão com elas; e com a natureza e com o universo, decorrência lógica da divindade. A religação — estar em sintonia. E se Deus for nós mesmos, há melhor motivo para o reencontro?
Sê quem és.
Apolo em Delfos e o "conhece-te a ti mesmo".
O mago compreende a necessidade do autoconhecimento e trabalha diariamente isso em si. Não à moda espartana, com o rigor dos estoicos — mas pode se quiser, nothing is true, everything is permitted, não diz o cânon? —, mas humor, leveza, arte, poesia, se somos caoístas.
Quando você opta por se tornar mago, começa o processo de crescimento já no primeiro segundo. Há um certo senso de responsabilidade; ainda que com a leveza caoísta citada acima, que diabos de mago você é se chora no chuveiro ao menor tropeço? Honre teu Self, honre tua mão esquerda satânica — não o satânico da bobajada cristã, mas o estado de opositor, de dissidente. A opção sagrada por resistência. E pare de chorar, caralho.
Mas se quiser chorar, está tudo bem também.
Até porque tudo que temos falado em termos de crescimento não significa um constante avanço linear, uma progressão positivista em linha reta. Ao contrário, avançamos de forma sinuosa, ida e vindas, altos e baixos. A "Roda da fortuna" do tarô nos ajuda a entender isso. Um dia é da caça, outro do caçador; o mago sabe disso e resilientemente absorve o golpe. Com resiliência, mas não com conformismo; quero dizer, o insucesso faz parte mas isso não é agradável e muitíssimo menos desejável. Mas acontece!, e devemos superá-lo.

